Na Espanha, os encantos de um vilarejo onde há mais livreiros do que alunos
Com uma população fixa de apenas cem pessoas e 11 livrarias, Urueña se tornou uma atração turística para amantes de literatura
Vista aérea de Urueña, povoado no interior da Espanha — Foto: Samuel Aranda/The New York Times
Situada no topo de uma colina no noroeste da Espanha, Urueña dá vista para uma paisagem ampla e varrida pelo vento que inclui campos de girassóis, de cevada e uma vinícola famosa. As paredes de algumas lojas foram erguidas lado a lado com as muralhas do século XII que a circundam.
Apesar de toda essa beleza rústica, e como muitos vilarejos no interior espanhol, há décadas ela vem enfrentando problemas por causa do encolhimento e do envelhecimento da população, estagnada em apenas cem moradores em tempo integral. Aqui não há açougueiro nem padeiro, já que ambos se aposentaram há alguns meses; a escola conta com apenas nove alunos. Nos últimos dez anos, porém, um setor que vai de vento em popa é o literário: há 11 casas comerciais que vendem livros, sendo nove especializadas.
— Nasci em um vilarejo que não tinha livrarias, onde as pessoas se preocupavam muito mais em cultivar a terra e criar animais do que ler. Essa mudança é meio estranha, sim, mas não deixa de ser motivo de orgulho um lugar minúsculo como este ter se tornado um centro cultural, o que sem dúvida nos diferencia e nos torna especiais em comparação com as aldeias à nossa volta — afirma o prefeito Francisco Rodríguez, de 53 anos.
Urueña, o vilarejo no interior da Espanha que virou atração turística para amantes dos livros
A tentativa de transformar Urueña em um centro literário vem de 2007, quando as autoridades da província investiram três milhões de euros para ajudar a restaurar e converter as construções locais em livrarias e construir um centro de exposições e conferências. E fizeram uma oferta de dez euros mensais como aluguel simbólico para os interessados em administrar um dos negócios.
O plano era manter a aldeia viva graças ao turismo de livros, imitando o de outros centros literários rurais europeus — mais notadamente Montmorillon na França e Hay-on-Wye no Reino Unido, que organiza um dos festivais mais famosos do continente.
A Espanha é dona de um dos maiores mercados editoriais da Europa, que alimenta uma rede de cerca de três mil livrarias independentes — e o dobro disso se contarmos as papelarias e outras casas comerciais que também vendem livros.
— No entanto, 40% delas têm um lucro anual de menos de 90 mil euros, o que as coloca na categoria de "subsistência". Nesse setor, tamanho é documento; a tendência é que as menores desapareçam, como se dá em outros países onde essa é uma indústria consolidada — explica Álvaro Manso, porta-voz da Cegal, associação que representa as livrarias independentes espanholas.
Crianças brincam no letreiro que descreve Urueña como a 'cidade do livro' na Espanha — Foto: Samuel Aranda/The New York Times
Para ajudar as empresas menores a competir, o Ministério da Cultura da Espanha injetou nove milhões de euros em subsídios para a modernização e a digitalização do setor.
— A sobrevivência dessa imensa rede de livrarias na Espanha, onde os níveis de leitura não são particularmente altos, é um dos grandes paradoxos deste país, mas acho que também porque vivemos em uma bolha literária. Como o aluguel é baixo, dá para sobreviver financeiramente vendendo usados, que vão desde clássicos da língua espanhola, como "Pedro Páramo", em que me inspirei para dar nome à loja, até HQs como Tintin. De quebra, tenho uma exibição de 50 modelos de máquinas de escrever que supostamente foram usados por nomes como Jack Kerouac, J.R.R. Tolkien, Karen Blixen e Patricia Highsmith — disse Victor López-Bachiller, de 47 anos, dono de uma livraria e um dos cem residentes em tempo integral de Urueña, dos quais a maioria é de aposentados.
A jornalista Tamara Crespo e seu marido, o fotógrafo Fidel Raso, compraram uma casa em Urueña em 2001, antes da iniciativa de torná-la um centro literário, mas também abriram uma livraria especializada em fotojornalismo.
— Para mim, viver aqui é muito mais do que ter um comércio e não precisar se preocupar com o aluguel; tem a ver com a manutenção de certo estilo de vida, do cultivo da comunidade. Alguns proprietários, por exemplo, abrem só esporadicamente, principalmente no fim de semana, quando sabem que há mais visitantes, mesmo que o projeto de investimento estipule o funcionamento durante pelo menos quatro dias por semana. Outra coisa é que nos últimos 20 anos a população continua encolhendo devagar, mesmo que Urueña tenha se tornado atração para os aficionados — afirma ela.
As muralhas do século XII que circundam o vilarejo de Urueña, no noroeste da Espanha — Foto: Samuel Aranda/The New York Times
Rodríguez, o prefeito, reconheceu que o fato de se tornar um destino turístico não garante que as pessoas de fora queiram se mudar e manter o vilarejo vivo:
—A aposentadoria recente de alguns comerciantes é prova disso. Infelizmente, não conseguimos encontrar ninguém mais jovem disposto a assumir o açougue.
Com isso, o pão matinal e a carne estão sendo entregues pela aldeia vizinha.
Ele prevê que a demografia desfavorável da Espanha rural — fenômeno conhecido como "La España Vacía", ou "Espanha Vazia" — continue sendo um desafio para a sobrevivência da área. Apesar disso, a iniciativa literária vem dando frutos: Urueña foi escolhida para receber os subsídios por causa da beleza local, das peculiaridades arquitetônicas e da localização relativamente fácil, na saída de uma rodovia no noroeste do país, a pouco mais de duas horas de carro de Madri e a menos de 50 quilômetros da cidade medieval de Valladolid.
Isaac García em sua livraria Grifilm, especializada em cinema, é um dos que apostaram em Urueña, na Espanha — Foto: Samuel Aranda/The New York Times
O departamento de turismo local registrou 19 mil visitantes em 2021, mesmo em plena pandemia. Segundo as autoridades, o número real foi muito mais alto porque os excursionistas que chegam só para passar o dia não se registram na sede. Urueña também recebe cerca de 70 mil euros por ano em dinheiro público para organizar eventos culturais como aulas de caligrafia, apresentações teatrais e conferências.
Isaac García, dono de uma livraria especializada em livros sobre cinema, já morou com a companheira, Inés Toharia, na periferia de Hay-on-Wye, o paraíso dos livros do País de Gales, e não pensou duas vezes em agarrar a oportunidade de ter o próprio negócio no centro da Espanha:
— Nossa ideia era poder unir uma grande iniciativa com o estilo de vida dos nossos sonhos, mas na nossa terra natal. É claro que Hay teve muito mais tempo para se estabelecer, mas acho que Urueña, aos pouquinhos, também chega lá.
Eles, às vezes, usam a parede dos fundos da loja para a projeção de filmes, mas as poucas tentativas de instaurar exibições noturnas ao ar livre se mostraram complicadas demais.— O vento é muito forte — justificou.
Pessoas caminham nas ruas da pequena Urueña, que recebeu cerca de 19 mil visitantes em 2021 — Foto: Samuel Aranda/The New York Times
Mas, mesmo antes da chegada das livrarias, Urueña tinha lá suas atrações culturais — como Joaquín Díaz, morador de longa data, que é cantor de músicas de raiz e etnógrafo. Ele saiu de Valladolid nos anos 1980 e hoje, aos 74 anos, vive em um prédio antigo, onde reuniu uma vasta coleção de instrumentos, livros e gravações tradicionais. Sua casa, aliás, foi transformada em museu pelas autoridades da província, há 30 anos.
— Sou realista, não acredito em excesso de nostalgia — comentou, referindo-se à perda de lojas e setores em vilarejos como Urueña. — No geral, a vida é muito mais fácil no interior da Espanha hoje do que há 50 anos, e ninguém jamais poderia imaginar, quando cheguei aqui, que o comércio de livros é que ajudaria a manter a cidade viva.
Por Raphael Minder / 2022 / The New York Times
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